Na falência, leilão por preço vil só é inválido se houver proposta melhor

No processo de falência, o leilão de um bem só pode ser anulado com base na alegação de preço vil se houver uma oferta firme e melhor do impugnante ou de terceiro para a aquisição do bem.

Com essa conclusão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça validou o leilão de um imóvel de uma empresa falida que foi avaliado em R$ 5,5 milhões, mas arrematado por R$ 110 mil.

O montante a ser pago pelo arrematante é de 2% do valor de avaliação. Por isso, a massa falida defendeu no STJ a ofensa ao artigo 75 da Lei 11.101/2005, que busca a maximização dos ativos e a proteção dos credores.

O problema, segundo o relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, é que as alterações promovidas nessa norma pela Lei 14.112/2020 afastaram a hipótese do preço vil nos leilões em processo de falência.
Oferta necessária

Essa novidade foi incluída no artigo 142, parágrafo 2º-A, inciso V, da Lei 11.101/2005. Já o artigo 143, parágrafo 1º, diz que impugnações baseadas no valor de venda só serão recebidas se forem acompanhadas de oferta firme do impugnante ou de terceiro para a aquisição do bem.

“Respeitadas as formalidades legais e garantida a competitividade, com ampla divulgação, do leilão ou de outra forma de alienação, não se mostra possível anular a venda com base na alegação de arrematação por preço irrisório sem a respectiva proposta de melhor oferta”, disse o magistrado.

Em sua análise, seria preciso demonstrar a ocorrência de alguma irregularidade que tenha comprometido o lance do impugnante. “Diante da não apresentação de proposta de melhor preço, não é possível anular o leilão com base somente na alegação de preço vil.”

REsp 2.174.514

Fonte: Conjur

IDPJ não alcança filhos beneficiados por desvio patrimonial dos sócios, diz STJ

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) não pode alcançar o patrimônio de terceiros que não sejam sócios da empresa devedora, ainda que tenham sido beneficiados por atos de desvio patrimonial.

A conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça e foi alcançada por 3 votos a 2. O colegiado concluiu que os ilícitos devem ser perseguidos pelo credor por meio de ação própria, como a de fraude contra credores ou fraude à execução.

A interpretação mais restritiva foi dada pelo relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, que formou a maioria com Isabel Gallotti e João Otávio de Noronha (voto de desempate).

Ficaram vencidos os ministros Marco Buzzi e Raul Araújo, que entenderam pela possibilidade de o IDPJ alcançar terceiros. Houve entre eles uma pequena divergência sobre o marco temporal para responsabilização dos mesmos.

IDPJ extendido

O caso trata de uma execução promovida por um banco contra uma construtora. O credor pediu o IDPJ para incluir no polo passivo todas as empresas do mesmo grupo familiar, além dos sócios delas (um casal) e seus dois filhos.

Os filhos, apesar de não serem sócios das empresas, entraram na mira do credor porque receberam doações de bens e dinheiro dos pais, situação que configuraria desvio patrimonial dos devedores.

O pedido foi deferido pelas instâncias ordinárias. Os filhos então ajuizaram embargos à execução, suscitando que, enquanto terceiros na relação, não poderiam responder pela dívida dos pais ou de suas empresas.

O juiz de primeiro grau rejeitou os embargos, por identificar a confusão patrimonial. O Tribunal de Justiça de São Paulo limitou a responsabilização deles aos bens adquiridos por doação pelos pais após a emissão do título que estava sendo cobrado.

Terceiros estão a salvo

O tema do alcance do IDPJ para terceiros dividiu a 4ª Turma do STJ. Relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira entendeu que seria indevido cobrar dos filhos dos sócios da empresa devedora.

Para ele, o TJ-SP acabou por criar uma nova espécie de desconsideração da personalidade jurídica, equivalente à fraude contra credores. Assim, votou por dar provimento ao recurso especial dos filhos.

Em sua análise, caberia ao banco usar das ações próprias para se defender nessa ocasião: a chamada ação pauliana, prevista no artigo 161 do Código Civil e destinada a combater fraude contra credores ou fraude à execução.

Em voto-vista, a ministra Isabel Gallotti destacou que as doações dos pais ao filhos foram feitas antes do vencimento do título extrajudicial cobrado pelo banco e que a declaração de ineficácia desses negócios não representa abuso ou desvio de personalidade jurídica.

“Não se trata, portanto, de uso indevido de personalidade jurídica para cometer o ato fraudulento, razão pela qual entendo não ser cabível a aplicação analógica do instituto da desconsideração, em contrariedade ao sistema processual vigente, que prevê procedimentos legais específicos próprios para situações como esta.”

Na mesma linha, o ministro João Otávio de Noronha apontou que o IDPJ tem como foco o sócio ou administrador que se beneficiou da manipulação da pessoa jurídica, não havendo respaldo legal para que seja atingido o patrimônio de terceiro.

“Ainda que constatado que o sócio atingido pela desconsideração tenha agido em fraude contra credores beneficiando terceiros, mesmo que integrantes da família, o instituto da desconsideração não autoriza o alcance do patrimônio dos terceiros.”

Blindagem patrimonial

Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Marco Buzzi, acompanhado de Raul Araújo. Para eles, é viável que o IDPJ atinja bens de terceiros porque foi demonstrada a intenção do sócio de lesar interesses dos credores mediante doação de imóveis e dinheiro aos filhos.

O ministro Buzzi foi mais longe, ao afastar a limitação temporal imposta pelo TJ-SP. Para ele, mesmo os bens doados antes do vencimento do título extrajudicial podem ser alcançados. O ministro Raul manteve a limitação.

Segundo Buzzi, não houve desvirtuamento do IDPJ, mas utilização da roupagem da fraude aos credores para amparar e corroborar a deliberação judicial, solidificando a circunstância de que houve a atuação maliciosa do devedor e a blindagem patrimonial por meio dos filhos.

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REsp 1.792.271
Fonte: Conjur

STF valida homologação de partilha sem a quitação de imposto de transmissão

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade da norma do Código de Processo Civil (CPC) que permite a homologação da partilha amigável de bens sem a comprovação prévia do pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A decisão foi proferida da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5894, julgada improcedente em sessão virtual finalizada em 24/4.

A ação foi proposta pelo Governo do Distrito Federal, o qual sustentava ofensa à isonomia tributária prevista na Constituição Federal e ao requisito de lei complementar para regular as garantias e os privilégios do crédito tributário.

O Ministro André Mendonça, relator da ação, fundamentou seu entendimento no sentido de que a norma constante do artigo 659, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC) estabelece um procedimento mais expedito e desburocratizado para a homologação da partilha amigável de bens e direitos de pessoa falecida, em consonância com os princípios constitucionais da razoável duração do processo e da resolução consensual de controvérsias.

Destacou ainda o Ministro Mendonça que a regra não ofende a reserva legal sobre normas gerais de tributação, porquanto não disciplina garantias ou privilégios do crédito tributário, mas tão somente estabelece um procedimento processual que viabiliza a transmissão dos bens integrantes do acervo hereditário.

O relator também refutou a alegação de vulneração ao princípio da isonomia tributária, sob o fundamento de que o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC) não versa sobre hipótese de incidência tributária, mas sobre um procedimento sumário que reflete o legítimo exercício do direito de ação pelos herdeiros.

Clique aqui para acessar a notícia completa veiculada no site do Supremo Tribunal de Justiça.

Fonte: MPPR

Corretora imobiliária responde por fraude em leilão judicial, decide STJ

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a responsabilidade solidária de uma corretora de imóveis pela fraude no leilão judicial de um bem. Assim, tanto a corretora quanto a empresa leiloeira poderão ser cobradas para devolver o valor total depositado pelas vítimas, acrescido de juros e correção monetária.

As autoras da ação contaram que uma sócia da corretora lhes apresentou a oportunidade de participar do leilão judicial eletrônico do imóvel vizinho ao delas. O leilão foi suspenso por decisão judicial, mas a sócia não levou essa informação às vítimas, que se habilitaram no site da leiloeira para participar e arremataram o imóvel.

Os valores do bem e da comissão foram depositados na conta bancária da leiloeira. Mais tarde, as autoras descobriram que o dinheiro não foi repassado a nenhuma conta judicial e que a Justiça sequer havia determinado uma nova data para o leilão.

Em primeira instância, a leiloeira e a corretora foram condenadas a ressarcir o valor às compradoras de forma solidária. E o Tribunal de Justiça de São Paulo concordou que a corretora imobiliária também deveria ser condenada, pois não repassou as informações necessárias às clientes e apresentou a elas um edital fraudulento, correspondente ao leilão falso.

No recurso ao STJ, a corretora argumentou que atuou apenas como intermediadora, que seu trabalho terminou após a leiloeira receber a documentação das autoras e que não era possível verificar se o edital era válido ou não, pois a leiloeira era oficial.

E, segundo a empresa, as autoras tiveram culpa exclusiva por depositarem o valor do lance na conta da leiloeira, pois o edital fornecido dizia que o depósito deveria ser feito em conta judicial.

Prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Moura Ribeiro. Ele apontou que o recurso não abrangeu todos os fundamentos da decisão do TJ-SP, o que impede sua análise.

Mesmo assim, o magistrado explicou que, conforme o artigo 723 do Código Civil, o corretor é obrigado a prestar ao seu cliente todas as informações sobre o andamento do negócio, sua segurança e seus riscos, “o que parece não ter ocorrido no caso dos autos”.

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REsp 2.094.738

Fonte: Conjur

Relação entre cliente e contador tem natureza civil, não sendo aplicável o CDC, decide STJ

O profissional de contabilidade, que desenvolve sua atividade técnica e especializada com amparo na confiança do cliente, não é fornecedor de serviço nos termos consumeristas. Assim, não é aplicável a essa relação o Código de Defesa do Consumidor, e, consequentemente, não há a inversão do ônus probatório por defeito na prestação do serviço.

Esse entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou por unanimidade o recurso de um médico que buscava o reconhecimento da má qualidade dos serviços prestados por uma assessoria contábil, com a consequente condenação por danos morais.

A corte rejeitou o pedido de inversão do ônus da prova em favor do consumidor por entender não ser aplicável ao caso o CDC, e que não há vulnerabilidade e desequilíbrio na relação contratual entre cliente e contador.

“Em se tratando de contrato de prestação de serviços firmado entre dois particulares em pé de igualdade no momento de deliberação sobre os termos do contrato, inexiste legislação específica apta a conferir tutela diferenciada para este tipo de relação, devendo prevalecer a liberdade e autonomia contratual das relações civis”, sustentou em seu voto a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso.

Em busca do equilíbrio

Segundo ela, toda a legislação dedicada à defesa do consumidor tem a mesma finalidade: equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, reforçando a posição da parte vulnerável e, quando necessário, impondo restrições a certas práticas comerciais consideradas desequilibradas.

“Nesse cenário, a relação existente entre o cliente e o contabilista individual é exclusivamente de natureza civil. O profissional, que desenvolve sua atividade técnica e especializada com amparo na confiança do cliente, não é fornecedor de serviço nos termos consumeristas, pois não há vulnerabilidade e desequilíbrio nessa relação contratual.”

“Ao contrário”, prosseguiu a ministra, “há a prestação de serviços por meio de negócio jurídico celebrado com paridade e simetria, no qual as partes detêm liberalidade para estabelecer as cláusulas e obrigações contratuais, bem como para delimitar o montante devido no desempenho da atividade negociada.”

Levando em conta a inaplicabilidade do CDC no caso julgado, afirmou a ministra, vale a regra geral da distribuição estática do ônus da prova, prevista no artigo 373, I, do Código de Processo Civil. Segundo o dispositivo, o ônus cabe ao autor da ação quando a disputa tratar de fato constitutivo de seu direito.

“Nesse compasso, incumbia ao autor (recorrente) comprovar os fatos constitutivos de seu direito, qual seja: a ocorrência da má-prestação do serviço de contabilidade por meio das provas do dano”, concluiu Nancy.

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REsp 2.164.369

Fonte: Conjur

Um abençoado Natal e próspero 2025!

"Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês. (...) Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mateus 11:28-30).
Depositemos em Jesus nossas intenções e esperanças, mas também nossas angústias, pois Ele é "a Luz do mundo".

Um abençoado Natal e próspero 2025!

Domínio do fato, por si só, não pode justificar condenação, diz ministra do STJ

A teoria do domínio do fato, por si só, não é suficiente para justificar uma condenação, sendo preciso, além dela, demonstrar o cometimento de crime pelo acusado.

O entendimento é da ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, que absolveu um homem acusado de supressão ou redução de tributo.

Segundo a decisão, a condenação se baseou na teoria do domínio do fato, afirmando que o condenado é responsável pelas supostas fraudes pelo fato de ser sócio da empresa que teria suprimido tributos.

“O raciocínio utilizado é o seguinte: um indivíduo ocupa um alto cargo em uma empresa (sócio, diretor, etc.). A partir dessa informação, faz-se uma afirmação de que ele teria ‘domínio do fato’ e, por consequência, ao ter esse domínio, afirma que o sujeito é o responsável por todas as fraudes que ocorreram internamente na empresa e que geraram supressão ou redução de valores de tributos ou, no mínimo, não impediu que elas acontecessem”, disse em trecho da decisão.

“Esse raciocínio está equivocado porque a teoria do domínio do fato é uma teoria que atribui a qualidade de autor a determinados intervenientes em fatos criminosos comuns, dolosos e comissivos, mas ela não abre mão de que se demonstre uma conduta praticada pelo indivíduo”, prosseguiu a ministra.

Segundo ela, não é possível, por meio de presunções, inferir que uma pessoa sabe do cometimento de crimes, usando a teoria do domínio do fato para “preencher lacunas” probatórias.

“Dado esse quadro teórico de atribuição de responsabilidade, é absolutamente deslegitima a prática judicial que utiliza a elementos de responsabilidade por omissão imprópria e elementos da teoria do domínio do fato para suprir lacunas probatórias”, concluiu.

Atuaram no caso os advogados Beatriz Alaia Colin, Amanda Silva SantosHenrique Sobreira Barbugiani AttuchJuliana Pereira de Barros Toledo e Wilton Luis da Silva Gomes.

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HC 968.598

Fonte: Conjur

STJ nega contradição e mantém tese sobre tributação do stock option plan

Por unanimidade de votos, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça rejeitou os embargos de declaração ajuizados pela Fazenda Nacional para tentar modificar a tese vinculante fixada sobre a tributação dos stock option plans.

Assim, fica mantido o entendimento segundo o qual só incide o IRPF para os trabalhadores que aderem ao stock option plan se e quando eles decidirem revender as ações.

Esses planos são oferecidos pela empresa como uma espécie de benefício para empregados estratégicos. As ações são oferecidas a um preço fixo e a compra pode ser feita após um período de carência, por um preço atrativo e com determinadas condições de contrapartida.

A Fazenda ficou vencida ao defender que seria esse o momento de incidência do IRPF. A conclusão da 1ª Seção, porém, foi que a compra dessas ações tem natureza mercantil, não de remuneração salarial.
Logo, no momento em que o empregado adquire as ações pelo preço prometido pelo empregador, não há efetivo acréscimo patrimonial. Em vez disso, ele precisa desembolsar valores.

Stock option plan em disputa

Nos embargos de declaração, a Fazenda sustentou a ocorrência de uma contradição: se o exercício do stock option plan leva ao ingresso de um bem no patrimônio do empregado por valor abaixo do praticado no mercado, como é possível que isso não gere acréscimo patrimonial?

Relator da matéria, o ministro Sérgio Kukina apontou que a contradição sanável por embargos de declaração é aquela interna ao julgado embargado, ou seja, a incompatibilidade entre a fundamentação e o dispositivo do próprio acórdão.

“Não podem ser acolhidos embargos de declaração que, a pretexto de alegada omissão no julgado, traduzem, na verdade, o inconformismo da parte com a decisão tomada, buscando rediscutir o que decidido já foi”, pontuou o magistrado.

Assim, fica mantida a tese vinculante, construída na primeira vez que o tribunal enfrentou esse tema de modo colegiado, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, posição que ainda deve afetar a cobrança de contribuição previdenciária sobre esses valores.

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REsp 2.069.644
REsp 2.074.564

Fonte: Conjur

Primeira Turma afasta IR na fonte sobre simples transferência de cotas de fundo de investimento a herdeiros

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de fundo de investimento por sucessão causa mortis, quando os herdeiros, sem pedir resgate, apenas requerem a transmissão das cotas, dispostos a continuar o relacionamento com a administradora e optando pela manutenção dos valores apresentados na última declaração de IR do falecido.

Dois irmãos impetraram mandado de segurança preventivo para impedir a cobrança do IRRF sobre a transferência de cotas de fundo de investimento que herdaram do pai. Com a abertura do inventário, eles pediram a transferência das cotas com base no valor constante na última declaração do IR apresentada pelo falecido. O banco informou que haveria a incidência do imposto na fonte, o que motivou a ação judicial.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) entendeu que, embora a sucessão causa mortis não implique o resgate das cotas, a transferência de titularidade para os herdeiros autorizaria a tributação na fonte, pois resultaria em alteração escritural.

Tributo só incide na transferência por valor de mercado e se houver ganho

O relator do recurso no STJ, ministro Gurgel de Faria, observou que o artigo 23 da Lei 9.532/1997 estipula duas opções para avaliar bens e direitos transferidos nas hipóteses de herança, legado ou doação em adiantamento da legítima: pelo valor de mercado ou pelo valor constante na última declaração de IR do falecido ou doador.

Contudo, Gurgel de Faria apontou que não há fato gerador do imposto se as cotas estão sendo transferidas aos herdeiros diretamente, em razão da morte do titular, e avaliadas conforme a última declaração, e não por valor de mercado.

O ministro também destacou que não pode ser aplicado ao caso o disposto no artigo 65 da Lei 8.981/1995, que trata da incidência do IRRF sobre o rendimento produzido por aplicação financeira de renda fixa, e que prevê, em seu parágrafo 2º, que a alienação compreende qualquer forma de transmissão da propriedade, bem como a liquidação, o resgate, a cessão ou a repactuação do título ou da aplicação.

"Além de se referir a fundo de renda fixa, e não de investimento, a alienação, como ato de vontade, não abrange a transferência causa mortis. Assim, não há norma legal stricto sensu a determinar a incidência de IRRF sobre a mera transferência de cotas de fundos de investimento – de qualquer modalidade – decorrente de sucessão causa mortis, quando os herdeiros optam pela observância do valor constante na última declaração de bens do de cujus. Somente incide o tributo se a transferência for realizada por valor de mercado e houver diferença positiva relativamente ao valor de aquisição", disse.

Receita Federal não pode exigir tributo sem previsão legal

O relator comentou que não cabe à Receita Federal determinar a tributação pelo IRRF em situação diversa da prevista em lei, quando não há ganho de capital. Segundo ele, não se pode presumir antecipação de liquidação ou resgate pela transferência legítima de cotas aos herdeiros quando, na verdade, ocorre mera atualização cadastral das cotas perante a administradora.

Gurgel de Faria ressaltou que, em conformidade com o princípio da legalidade em matéria tributária (artigo 150, inciso I, da Constituição), a autoridade administrativa somente pode exigir o tributo quando há precisa adequação entre o fato e a hipótese legal de incidência, ou seja, quando ocorre sua descrição típica.

Fonte: Notícias do STJ

Acordo em rescisória da Fazenda mostra que solução consensual é possível em qualquer fase do processo

O cenário dos autos parecia improvável para a realização de acordo: um caso tributário já em fase de ação rescisória promovida pela Fazenda Nacional e em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se discutia o parcelamento da dívida milionária de uma grande empresa. Foi nesse contexto, porém, que as partes chegaram a uma solução consensual, e o acordo foi homologado pelo ministro Paulo Sérgio Domingues no dia 22 de outubro.

A transação resolve um litígio que já ultrapassava duas décadas. Para o ministro, o acordo demonstra como o diálogo sempre pode levar a uma solução que não esteja a cargo apenas do juiz, mesmo quando a demanda envolva a Fazenda Pública e se encontre em um estágio processual tão avançado como a rescisória.

"É importante que os litigantes percebam essa solução como um caminho a ser traçado para que se diminua o congestionamento dos tribunais", afirmou Domingues.

De acordo com a procuradora Lana Borges e o procurador Euclides Sigoli – representantes da Fazenda no acordo –, a busca de uma solução consensual levou em consideração não apenas o tempo em que a dívida estava em aberto, mas também a avaliação de que o desfecho do litígio era incerto para ambas as partes. Os dois também apontaram que a redução da litigiosidade e a regularidade fiscal do contribuinte são temas relevantes para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

"A empresa tem uma função social, enquanto núcleo gerador de empregos e riqueza. O contribuinte é um cliente que a Fazenda Nacional recebe de portas abertas para o diálogo, e não um opositor. Nesse contexto, o crédito e o interesse públicos prosseguem sendo indisponíveis, já que a lei tem que ser cumprida. Mas as disputas inúteis devem ser evitadas ao máximo, e isso se reverte em favor do Sistema de Justiça e de toda a sociedade", afirmaram.

No mesmo sentido, o advogado da empresa, Luiz Gustavo Bichara, ressaltou o ineditismo da experiência para ele – especialmente em uma ação como essa – e elogiou a possibilidade da realização de acordos em processos de natureza tributária: "A iniciativa foi extremamente louvável, assim como a postura dos colegas da PGFN, com quem tivemos um diálogo do mais alto nível".

Acordo reforça mudança história na atuação da Fazenda

Segundo Lana Borges e Euclides Sigoli, a solução adotada no processo reforça uma mudança histórica na forma de atuação da Fazenda Nacional ao cobrar dívidas tributárias. Especialmente a partir de 2010 – explicaram os procuradores –, o Fisco passou a implementar mecanismos de redução da litigiosidade que também incluem a realização de acordos.

Além de normativos no âmbito da PGFN – como a Portaria 502/2016, que previu a dispensa de recursos e impugnações quando a tese da União tem baixa chance de vitória ou quando a disputa é excessivamente arriscada ou desvantajosa –, os procuradores citaram a edição da Lei 13.988/2020, que regulamentou o instituto da transação tributária (previsto no artigo 156, inciso III, do Código Tributário Nacional).

Os procuradores destacaram, ainda, a publicação da Portaria Conjunta 7/2023, iniciativa da PGFN, da Advocacia-Geral da União (AGU), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dos seis Tribunais Regionais Federais para lidar com as execuções fiscais. Segundo os procuradores, após esse normativo, já foram encerrados mais de 300 mil processos executivos em todo o Brasil.

Transação tributária tem ocorrido tanto em casos judicializados como em outras dívidas

Essa mudança de comportamento do Fisco também foi ressaltada pelo advogado Bichara, para quem a conciliação na ação rescisória demonstra a "superação do paradigma adversarial usual entre a Fazenda Nacional e os contribuintes", confirmando uma lógica de resolução de conflitos que vem sendo aprimorada no âmbito de casos tributários.

Para buscar acordos em questões tributárias – tanto no caso de execuções fiscais quanto de débitos ainda não judicializados –, Borges e Sigoli informaram que a PGFN mantém equipes especializadas nas seis procuradorias regionais, e isso tem resultado na extinção ou na dispensa de ajuizamento de processos.

"Já nas causas em que se discute a tributação em abstrato, são aplicadas dispensas de manejo de recursos e outras impugnações, além de eventual desistência daqueles que tiverem sido apresentados, sempre que identificado que a União não tem razão, está sujeita a algum risco excessivo ou mesmo quando o litígio for desvantajoso aos cofres públicos", comentaram os procuradores.

Especialmente no caso do STJ, os representantes da Fazenda destacaram a celebração, entre o tribunal e a AGU, do acordo de cooperação técnica voltado para implementar práticas de desjudicialização e identificar novos temas jurídicos para julgamento no rito dos recursos repetitivos. O acordo já alcançou a solução definitiva para milhões de processos em todas as instâncias.